Acidente de trânsito mata mais do que câncer em Goiás
Mortes de motociclistas contribuem significativamente para índice alarmante: taxa de mortalidade no Estado é de 8,1 para cada 100 mil habitantes, que ultrapassa a média brasileira (6,3 por 100 mil)
Um casal em uma moto parados em um semáforo. Um caminhão sem conseguir frear. O final trágico dessa história ainda deve estar na memória de muitos goianos. Ela, grávida, resistiu tempo suficiente para dar à luz a filha – ainda no asfalto no local do acidente. A menina Isabella nasceu órfã e o casal deixou ainda outro filho de cinco anos.
O acidente que vitimou Antônia Dulcimar Batista, de 27 anos, e o marido, Vladimir Lopes Oliveira, de 29, ocorreu em fevereiro do ano passado na Avenida Santa Maria, no Residencial Cidade Verde, em Goiânia. A história chocou a população e foi chamada de milagre, pois a vida da menina foi salva devido a circunstâncias que fizeram a mãe, no oitavo mês de gestação, expulsar a filha do corpo sem que ela sofresse sequelas graves.
Mas, nem sempre, os acidentes envolvendo motociclista terminam em milagres. De acordo com dados divulgados na última semana pelo Ministério da Saúde (MS), o alto número de mortes causados em acidentes de moto está sendo tratado como epidemia no País. Das 45 mil pessoas que perdem suas vidas em acidentes de trânsito no Brasil a cada ano 12.040 (dados do MS referente a 2013) são em motocicletas, cerca de 30% do total, deixando o País em 5º lugar no ranking dos países com mais desastres do tipo.
O número demonstra aumento de 280% se comparado com 2003, quando foram registradas 4.292 mortes, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.
Em Goiás, acidentes de trânsito são a segunda maior causa de morte, de acordo com Observatório de Mobilidade e Saúde (OMSH). Quando a questão é acidentes envolvendo motociclista o Estado ocupa a 15ª posição no país, com a taxa de mortalidade de 8,1 mortes para cada 100 mil habitantes, acima da média brasileira de 6,3 por 100 mil. Em 2013, foram registradas 528 mortes em Goiás. Segundo o ranking, óbitos por doenças do aparelho circulatório são a causa principal das mortes. Já neoplasias, caso do câncer, estão em terceiro lugar, atrás dos acidentes
Internações
Na tarde do último domingo (24), no Setor Aeroviário, em Goiânia, um homem ficou ferido num acidente envolvendo duas motos. De acordo com o Corpo de Bombeiros, o jovem de 24 anos sofreu um corte na cabeça e foi encaminhado para uma unidade de saúde.
De acordo com o MS, nos últimos seis anos, as internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS) envolvendo motociclistas aumentaram 115% e o custo com o atendimento a esses pacientes cresceu 170,8%.
Em 2013 foram 170.805 internações por acidentes de trânsito, 88.682 por motos. Já dos R$ 231 milhões gastos no atendimento às vitimas, o custo das internações dos motociclistas chegou a quase metade do total: R$ 114 milhões.
Em Goiás o gasto com esse atendimento foi de R$ 6,4 milhões, com 4.108 internações em 2014. O MS ressalta, porém que esse valor não inclui custos com reabilitação, medicação e o impacto em outras áreas da saúde.
Vítimas
Conforme o MS, a maioria das vítimas de acidentes com motos (78,76%) são homens entre 20 a 39 anos. Os dados são do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva 2011), que traça o perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde em capitais brasileiras.
Impactos
De acordo com especialistas, acidentes de trânsito fatais ou não têm muitos impactos provocados o sistema de saúde, na previdência e no mercado de trabalho. Eles afetam a vida pessoal das vítimas que sobrevivem e de suas famílias e no cotidiano daqueles que ficam sem seus entes.
O sofrimento nesses casos pode causar depressão, gastrites, hipertensão arterial e com isso grande parte da força produtiva do País pode ser perdida, por aposentadorias precoces.
Segurança em duas rodas
A discussão a respeito da segurança das motocicletas está longe do fim. Muitos são os que fazem relatos sobre a fragilidade do veículo que deixa o motociclista exposto. Os acidentes com sequelas graves ou morte são usados para exemplificar essa realidade, como o caso do vídeo que mostra a morte de um motociclista atingido por uma roda que se desprendeu de um carro, enquanto andava pela BR-040 no Distrito Federal.
Mas o aumento na frota de motos é palpável, um dos fatores apontados para a elevação do número de acidentes. Entre 2003 e 2013, o número de motocicletas teve um salto de 247,1%, enquanto a população cresceu 11%.
O veículo vem sendo utilizado como instrumento de trabalho e mesmo no interior tem substituído a bicicleta e outros meios de transporte. Nas metrópoles, a situação caótica do trânsito e a má qualidade do transporte público coletivo são indicadas como fatores que contribuem para o aumento da frota de motocicletas. Outra diferença é o custo de manutenção. Enquanto alguns automóveis rodam cerca de 10 km com um litro de combustível, uma moto de 125 cilindradas roda cerca de 40 km.
De acordo com Fernando Medeiros, diretor executivo da Associação Brasileira de Distribuidores Honda (Assohonda), o maior determinante de risco não são as motos em si, mas o comportamento do usuário que assume uma postura irresponsável no trânsito, de abusos e imprudências. Para ele, a preparação dos motociclistas também é deficiente e deveria acontecer de forma gradativa a maneira da habilitação para caminhões e ônibus, além de haver mais campanhas de conscientização.
Bebida demais
Dados do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva 2011) demonstram que, entre os motociclistas atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 19,6% informaram o uso de bebida alcoólica antes do acidente e 19,7% estavam sem capacete.
Nesse sentido, uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Sã Paulo (USP), em parceria com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), aponta que um em cada quatro acidentados estava sob o efeito de drogas ou álcool.
O mesmo estudo demonstra que apenas 90,2% dos motociclistas acidentados estavam de capacete, e 17,8% estavam equipados com luvas e jaquetas. A pesquisa realizada com vítimas na zona oeste da cidade de São Paulo também identificou que 18% dos acidentes ocorreu devido a problemas nas vias e 8% foram causados por má conservação das motos, principalmente freios e pneus.
Em 49% dos casos, a moto foi a causadora do acidente e em 51% outros veículos foram responsáveis. Nestes casos, 84% foi resultado de imprudência do motorista. Já nos casos em que as motos foram causadoras do acidente, os motociclistas tiveram imprudência em 88% dos casos.
(dm)