Intolerância cria clima de “nós contra eles” no trânsito
Para conduzir qualquer tipo de veículo – e isso vale ainda mais para motociclistas –, estar concentrado, ter experiência e conhecer o caminho reduz a quase zero o risco de um acidente. O “quase” fica por conta do imponderável, e o imponderável muitas vezes são os outros. Nunca estamos livres de problemas causados por gente que não tem o devido cuidado, conhecimento ou responsabilidade na condução de qualquer outro veículo.
Com a fragilidade proporcionada quando se conduz uma moto, é inevitável que um acidente com este tipo de veículo seja mais grave. Como mostram os números do DPVAT 2014, 76% das indenizações no período foram direcionadas a usuários de motocicletas.
Na raiz de grande parte dos acidentes estão fatores como uso de substâncias tóxicas – álcool e drogas em geral –, o que inevitavelmente conduz a excessos. O mais comum é o excesso de velocidade, mas não se pode desconsiderar também o excesso de confiança, o “achar que dá”, quando na verdade “não dá”, ao mudar de faixa, ultrapassar sem visibilidade ou simplesmente estacionar por alguns segundos em local totalmente inadequado.
A conduta individual no trânsito implica na segurança de todos, e é este o nó da questão. Infelizmente, a prazerosa noção de independência que dirigir uma moto ou um carro proporciona é perturbada por atitudes inconsequentes. Assim, muita gente, quando assume um volante ou guidão, se considera investida de superpoderes para fazer o que quer, como quer e quando quer.
O Brasil é um país com alto índice de mortalidade no trânsito, mas imputar a responsabilidade desta triste realidade apenas no Estado, por não exercer a adequada vigilância sobre os cidadãos e fazer com que as leis sejam respeitadas, é algo simplista. À sociedade cabe o grande papel de se aperfeiçoar sem esperar a tutela e não se comportar como criancinhas testando os limites da paciência paterna. É preciso agir de forma madura, como manda o bom senso e as regras de convívio.
Transgressões
Motociclista há mais de três décadas, vejo com grande chateação o comportamento de uma parte de meus colegas de guidão que, lamentavelmente, interpretam a agilidade natural das motos como passaporte para o desrespeito às leis. Uma das transgressões mais comuns, bobinha até, é o desrespeito à faixa de pedestres.
Pior ainda é o “passe livre” que muitos consideram ter para não aguardar o sinal verde. É comum ver motociclistas se esgueirando entre os carros imóveis esperando o verde e, ao chegar ao cruzamento, ignorar de maneira acintosa o sinal de parada.
Outro mau hábito cada vez mais comum é a intolerância aos erros de direção alheios e a reação com agressividade inaceitável – chutes em portas e espelhos de automóveis. Esta cena está na ordem do dia das grandes metrópoles do Brasil, o que revela não apenas a tensão crescente entre motoristas e motociclistas, como também uma perigosa situação de antagonismo, um “nós contra eles” descabido e perigoso.
Com isso, cada vez mais a motocicleta e seus usuários são vistos como problema de trânsito quando, na verdade, o comportamento coerente e correto de todos daria ao grupo sua real imagem, a de solução de mobilidade, que pode até ser mais adequada a cidades grandes e de topografia irregular como São Paulo e Belo Horizonte que a festejada bicicleta.
Mais educação
Como fazer para que motocicletas continuem participando de modo crescente da paisagem urbana das cidades brasileiras e que isso represente um progresso e não um problema? A resposta à essa pergunta fundamental é uma só: educação. Todavia, o conceito por trás da simples palavra é amplo e traz ao reboque uma série de ações e inciativas que, multiplicadas, podem acender a luz no fim do túnel.
Falar da má qualidade na formação dos motoristas e motociclistas brasileiros é chover no molhado, tanto que em breve novas regras para a concessão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) finalmente deverão ser implantadas.
O comportamento no trânsito é uma disciplina que deveria fazer parte do currículo obrigatório desde o ensino fundamental. Além disso, bons exemplos podem e devem ser tomados de países com mais “tempo de voo” na difícil arte de conciliar guidões e volantes num mesmo espaço.
Boas ideias
Uma das boas iniciativas mais recentes vem da Itália, país conhecido pelo amor à “macchina”, o automóvel, ou ao “motore” como ali são chamados os ciclomotores e scooters que fazem parte de 100% da vida de todo italiano que se preze em algum momento de suas existências: uma grande marca de motocicletas (a Ducati), e uma operadora de telefonia celular (a TIM) lançaram uma criativa campanha batizada de #guardaavanti (#olheparaafrente, em português).
Resumidamente, uma convocação para que motoristas deixem de lado seus smartphones quando estão dirigindo automóveis, prática conhecida pela periculosidade.
Para atingir “na veia” os mais jovens e usá-los como elementos de propagação da campanha, os criadores da iniciativa propuseram que um bilhetinho com o #guardaavanti fosse colocado em lugar visível, testa, face ou lábios, por exemplo, e um selfie ou vídeo seja feito e enviado a três amigos, criando assim uma corrente para que todos enviassem a outros três e assim por diante.
Esse “viral” poderoso capturou atenções e, sem contar nenhuma novidade (todos sabem que mandar SMS ou falar ao celular dirigindo não é correto), levou muitos a refletir sobre o tema e a rever o hábito.
Com certeza, este é um exemplo criativo e simpático e provavelmente bem mais efetivo do que o árido e enfadonho discurso sobre o certo e o errado, ou a tática punitiva que entende a multa com o único método de eliminação de maus comportamentos no trânsito.
Fonte: g1.globo.com
Fotos:
Marcos Bezerra/Futura Press/Estadão Conteúdo
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