Provocação por diversão
Como um filme ruim e um grupo de hackers quase causaram uma guerra nuclear.
No dia 24 de novembro, os computadores da Sony Pictures Entertainment, um dos maiores estúdios de Holywood, foram invadidos. Os hackers deixaram uma mensagem com uma caveira vermelha, o nome Guardiões da Paz, e o aviso de que aquilo era só o começo e de que tudo nos servidores tinha sido roubado. No dia seguinte, a Sony ficou offline, por segurança, enquanto quatro filmes inéditos do estúdio eram liberados pelos Guardiões para download por torrent.
Em poucos dias, os hackers divulgaram contracheques de mais de 6 mil funcionários, o número do passaporte e outras informações pessoais de atores como Angelina Jolie e emails da empresa que geraram um mal-estar, como a comprovação das negociações do Homem-Aranha com a Marvel e outros tantos falando mal de Adam Sandler e de Jolie. Depois disso, o FBI entrou e foi levantada a suspeita de que a Coreia do Norte estava envolvida em uma retaliação ao filme A Entrevista, comédia de Seth Rogen e James Franco, chamada de “sátira cruel” pela imprensa estatal norte-coreana.
Então, os Guardiões da Paz começaram a ameaçar ataques violentos contra funcionários da Sony e uma fonte da Associated Press disse que havia indícios reais do envolvimento do governo de Kim Jong-Um na invasão, que negou oficialmente as acusações pouco antes do próprio presidente Barack Obama ter que fazer um pronunciamento de apoio ao estúdio em meio a uma metralhadora de anúncios cancelando o lançamento do filme e voltando atrás. Quase na véspera do Natal, a Coreia do Norte acusou a Casa Branca de financiar o filme como propaganda.
Depois de tudo isso, o filme foi lançado em serviços de streaming e em 580 cinemas dos EUA – o planejado eram 3 mil – no dia 25 de dezembro. O filme estreia dia 29 de janeiro no Brasil e a pior parte: ele é ruim. Fraquinho mesmo. Comédia mequetrefe americana em sua pior forma. Desde o dia 25, os hackers, os EUA e a Coreia do Norte seguem com o silêncio no rádio. O incidente diplomático pode estar morto e enterrado e todo o ridículo da situação é uma piada melhor do que o filme em si: uma produção barata e ruim quase causa uma guerra nuclear.
A parte mais chocante é ver três titãs de mãos atadas por um Zé-ninguém como os Guardiões da Paz, que permanece livre e cuja natureza é completamente desconhecida. Até onde se sabe, os invasores podem não ter sequer um objetivo. Até onde se sabe, as ameaças de ataques são vazias e todo processo pode ter sido apenas diversão para um número pequeno e desconhecido de pessoas. Diversão encorajada pelo imenso poder de ventríloquo de repente atribuído a essas formiguinhas: não é todo dia que um anônimo protegido pro um computador consegue fazer o presidente dos EUA fazer um discurso.
O que pode ter sido apenas um ataque aleatório contra uma grande corporação – algo que hackers fazem – virou um dos maiores acidentes diplomáticos dos últimos anos por nada e em menos de um mês, tudo baseado em boataria e firmado em cima de um filme ruim com piadas de judeu e bunda (às vezes na mesma cena). Na internet surgiu mesmo a teoria de que o boato de envolvimento da Coreia do Norte foi uma jogada de marketing viral que saiu de controle.
Agora, em meio ao silêncio, começa a se falar de que os hackers pediram dinheiro logo após a primeira invasão em troca de não divulgar informações. Também segue o boato de que funcionários da Sony estariam ligados aos Guardiões e mesmo que a Coreia estaria memso envolvida por se sentir ofendida com a ridicularização do Supremo Líder mundialmente.
O papel tanto da mídia dentro e fora dos EUA quanto dos hackers é altamente questionável e aberta a interpretações. A teoria mais aceita agora é que, em bom jargão, os hackers eram apenas trolls, não diferentes dos que invadiram a PSN no Natal e apenas se deixaram levar pelo impacto que causaram. Muito de Teoria da Comunicação entra aqui, além de quão vulneráveis empresas como a Sony estão.
Enquanto o silêncio continua, essa “trollagem” parece que vai lentamente rastejar para o esquecimento. Se teremos mais algum acontecimento ou repercussão, isso é incerto. A única certeza é que um filme com quatro indicações ao Framboesa de Ouro, o prêmio de piores do ano, recheado de besteirol e misoginia nunca recebeu tanta atenção – e publicidade gratuita.
Fonte: O Hoje